
Há poucos meses o Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade do interrogatório feito por uso de videoconferência, anulando-se todo um processo criminal, porque o réu preso não fora ouvido pessoalmente pelo juiz. Os ministros consideraram que só uma Lei Federal poderia regulamentar o assunto. Por esse motivo, foi aprovado no Senado Federal projeto de lei modificando a legislação processual penal vigente para admitir a realização de interrogatório do preso no estabelecimento prisional, sem a presença física do juiz, por meio de um sistema audiovisual em tempo real como forma de audiência judiciária. A justificativa principal do referido projeto é a redução dos custos gerados com o traslado de presos entre presídios e fóruns.
A repulsa ao método do interrogatório virtual deita raízes nos princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa (art. 5º, incisos LIV e LV). Ademais, o Código de Processo Penal, em seu art. 185, prevê o direito de o réu ser conduzido à presença física do juiz natural.
Além disso, como o sistema punitivo é demasiadamente falho, a mudança proposta pelo Congresso Nacional poderá acirrar as polaridades sociais no âmbito do processo e os erros judiciários já existentes. Não é novidade que o perfil básico da população carcerária é constituído de jovens pobres, predominante negros, semi-analfabetos, aprisionados com menos de 30 anos de idade, sem advogado, com antecedentes criminais, cumprindo pena que varia entre quatro a quinze anos de prisão. Por isso, esses dados nos remetem a algumas reflexões.
O interrogatório é a grande oportunidade que tem o magistrado para formar o juízo a respeito do acusado, da sua conduta nos fatos, da sua personalidade, da sinceridade e até da sua confissão. É nesse momento que o juiz poderá pessoalmente extrair as minuciosas impressões necessárias para o julgamento do caso e, ainda, observar se o réu está em perfeitas condições físicas e mentais. O interrogatório realizado pela videoconferência compromete o exercício do direito à autodefesa. Dificilmente serão resguardados ao preso, na cadeia pública, segurança e liberdade para que ele possa denunciar os maus-tratos sofridos ou apontar os verdadeiros culpados, estando muito próximo do carcereiro ou de algum membro da quadrilha interna e distante da pessoa do juiz. Assim, é provável que suas declarações não sejam isentas de coação.
O estado deveria ter como prioridade uma política criminal de segurança pública, garantindo os direitos fundamentais. É bom lembrar, por fim, que é função do Poder Judiciário tutelar a liberdade humana, e não socorrer o Poder Executivo em suas falhas e omissões.
De Kátia Tavares, Diretora do Instituto dos Advogados Brasileiros.
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